Bitcoins e a promessa de Javier Milei
A recente vitória eleitoral de Javier Milei na Argentina reabriu um debate essencial sobre o papel do Estado na economia e, em particular, sobre o controlo da moeda – mas também sobre a viabilidade de utilizar Bitcoins como instrumento de troca e reserva de valor.
A sua promessa eleitoral de encerrar o Banco Central foi talvez o ponto mais ousado e simbólico do seu programa, pois representava a intenção de romper com décadas de dependência de políticas inflacionárias e de abrir caminho a um novo paradigma monetário, mais próximo da lógica descentralizada das Bitcoins.
Durante gerações, a Argentina viveu sob o peso de uma inflação crónica, sucessivas desvalorizações e políticas de emissão descontrolada que corroeram o poder de compra das pessoas. Ao propor o encerramento da autoridade monetária, Milei apresentou-se como um líder disposto a travar o ciclo de empobrecimento e a devolver a liberdade económica aos argentinos – uma promessa que muitos associaram à esperança de ver o país adoptar um sistema mais estável e previsível, como aquele que as Bitcoins representam no cenário global.
Contudo, a promessa de encerrar o Banco Central não é apenas uma medida técnica; é, antes de tudo, um acto moral. Implica decidir se a sociedade deve continuar a aceitar a manipulação política da moeda ou se deve restaurar um sistema em que o valor do dinheiro dependa da confiança e da escassez, não de decretos governamentais.
É precisamente neste ponto que o Bitcoin e, em sentido lato, as Bitcoins surgem como alternativa credível para quem defende uma economia livre, transparente e sustentada em regras previsíveis.

O problema moral de imprimir dinheiro
A discussão sobre o encerramento de um Banco Central deve começar por reconhecer o carácter moral da moeda. A emissão monetária sem contrapartida real não é um acto neutro: é uma forma disfarçada de confisco. Quando um governo decide imprimir moeda para financiar despesa pública, não está a criar riqueza – está a redistribuir, coercivamente, o poder de compra existente.
A inflação é, na prática, um imposto invisível. Os primeiros beneficiários do novo dinheiro – geralmente o Estado, os bancos e os grandes grupos financeiros – gastam-no antes de os preços subirem.
Já a restante população, que recebe o dinheiro mais tarde, enfrenta preços mais altos sem ver o seu rendimento ajustado. O resultado é uma transferência de riqueza dos mais pobres para os mais próximos do poder, aquilo que podemos designar como “o mais pernicioso de todos os impostos”.
Além da injustiça distributiva, a emissão monetária cria ilusões económicas. Os empresários, vendo crédito “abundante” e juros artificialmente baixos, acreditam que existe poupança disponível para novos investimentos. Mas trata-se de um sinal falso, produzido pela expansão monetária. Quando os projectos se revelam insustentáveis, surge a recessão – a correcção inevitável das distorções provocadas pela política de “dinheiro fácil”.
No plano moral, a questão é ainda mais profunda. A inflação institucionalizada destrói a relação entre causa e efeito na economia. Ao manipular o preço do dinheiro, o Estado dissolve o vínculo entre o esforço e a recompensa, desincentivando o mérito, a poupança e a prudência. Imprimir dinheiro é, por conseguinte, um acto de violência económica: uma agressão invisível que subtrai o fruto do trabalho à pessoa.
Preferência temporal e o declínio da poupança
Um dos efeitos mais devastadores da inflação é o aumento da preferência temporal – a tendência das pessoas para valorizar mais o presente do que o futuro. Quando a moeda perde valor ano após ano, poupar parece inútil. As famílias consomem rapidamente, os empresários apostam em lucros imediatos e o investimento de longo prazo torna-se raro.
É assim que sociedades inteiras se desindustrializam e se tornam dependentes de capitais externos. A degradação da moeda conduz à degradação moral: a paciência, a prudência e a visão de futuro são substituídas pelo imediatismo. Nenhum plano de desenvolvimento pode prosperar onde a própria unidade de conta se dissolve.
Neste contexto, a decisão de Javier Milei de prometer o encerramento do Banco Central não é apenas económica – é civilizacional. Representa a tentativa de restabelecer a ligação entre o valor e o trabalho, entre a produção e a recompensa, entre o tempo e a esperança. Contudo, ao manter-se refém da estrutura estatal e ao hesitar em adoptar uma alternativa monetária realmente livre, o novo governo arrisca-se a perpetuar a dependência de sistemas financeiros tradicionais.

O Bitcoin como via para a soberania monetária
A alternativa existe. Chama-se Bitcoin. Criado em 2009, o Bitcoin é um sistema monetário descentralizado, baseado numa rede de verificação matemática conhecida como blockchain. Não depende de bancos centrais, governos ou intermediários. O seu fornecimento total é limitado a 21 milhões de unidades, impossibilitando qualquer manipulação política da oferta.
Ao contrário das moedas fiduciárias, o Bitcoin não pode ser impresso a pedido. Cada unidade é gerada por um processo transparente de validação e cálculo, e cada transacção é registada num livro-razão público e imutável (blockchain). Isto significa que o valor da moeda depende exclusivamente da confiança no protocolo e da procura dos seus utilizadores – não da vontade de políticos ou banqueiros centrais.
Se Javier Milei tivesse adoptado o Bitcoin com curso legal, como El Salvador fez em 2021, poderia ter eliminado na prática a função central do Banco Central: o monopólio da emissão monetária. Nesse cenário, o peso argentino perderia relevância e as transacções poderiam ocorrer livremente em Bitcoins, Bitcoins USD ou Bitcoins a euros, conforme a preferência dos agentes económicos.
A transição não seria isenta de dificuldades, mas teria uma virtude essencial: limitaria o poder do Estado sobre a moeda. O Banco Central deixaria de poder financiar défices orçamentais através da inflação, e a disciplina fiscal seria imposta pela realidade – não por decretos.
Fechar o Banco Central é moralmente necessário?
Recentemente, tem-se debatido as implicações práticas e morais de encerrar um Banco Central. Para alguns, a extinção da autoridade monetária não conduz necessariamente à catástrofe inflacionária que os seus defensores anunciam. Pelo contrário, a eliminação da criação monetária artificial tenderia a provocar deflação, reduzindo a massa monetária e restaurando o poder de compra da moeda existente.
Mais importante ainda, invocar o “caos social” como motivo para preservar o Banco Central é abandonar o terreno da moralidade. Manter um sistema injusto por medo da mudança é aceitar a perpetuação do confisco institucionalizado. É a mesma lógica que leva alguns a defender a continuidade de indústrias eticamente questionáveis “para evitar o desemprego”. Mas a moral não se submete à conveniência.
Fechar um Banco Central significa, portanto, abolir o privilégio de imprimir dinheiro – uma prerrogativa que, na prática, tem servido para transferir riqueza, financiar guerras, sustentar défices e comprar votos. É um passo radical, sim, mas também o único compatível com uma ordem económica baseada na liberdade e na responsabilidade individual.
Adoptar Bitcoins: da teoria à prática
A adopção do Bitcoin como moeda de curso legal, ainda que parcial, teria permitido à Argentina experimentar um modelo de concorrência monetária genuína. Nessa estrutura, os cidadãos poderiam escolher livremente entre diferentes moedas – pesos argentinos, dólares norte-americanos, ou Bitcoins – e a moeda estatal só sobreviveria se fosse a preferida pelo mercado.
A tecnologia facilita essa transição. Hoje é possível converter Bitcoins a euros ou Bitcoins USD em segundos, com taxas baixas e sem necessidade de intermediários bancários. Plataformas seguras e registadas junto do Banco de Portugal, como é o caso do Mercado Bitcoin Portugal, permitem efectuar compra Bitcoins e gestão de carteiras digitais de forma simples e transparente.
Além disso, o Bitcoin oferece um instrumento de reserva de valor num ambiente de incerteza política. Num país onde a inflação atinge dois ou três dígitos anuais, possuir uma moeda que não pode ser manipulada por decreto é um acto de autonomia económica. Não é apenas investimento – é protecção da liberdade.

Os riscos e a maturidade necessária
Adoptar o Bitcoin como instrumento monetário exige, porém, educação financeira e estabilidade jurídica. Não se trata de substituir a tirania do papel pela tirania da ignorância tecnológica. O desafio está em criar mecanismos transparentes, supervisionados, que assegurem a integridade das transacções e a protecção dos consumidores.
A transição para um sistema descentralizado requer também disciplina fiscal. Nenhuma moeda sólida resiste a um Estado que gasta mais do que arrecada. A verdadeira soberania monetária nasce da responsabilidade orçamental, não de frases feitas.
Contudo, a experiência de países como El Salvador mostra que é possível integrar o Bitcoin no sistema financeiro tradicional, oferecendo às pessoas liberdade de escolha sem ruptura abrupta. O essencial é reconhecer que a concorrência monetária é saudável: obriga os emissores a manter a confiança, sob pena de perderem utilizadores.
A lição moral e económica
O caso argentino é um espelho de muitas outras economias. Quando a inflação se torna crónica, o problema já não é técnico, é moral. Significa que a sociedade perdeu a noção de justiça na troca e a confiança na moeda como medida de valor. O dinheiro deixou de ser instrumento de cooperação e tornou-se arma de redistribuição política.
O Bitcoin surge como antídoto a essa degenerescência. A sua emissão previsível, a transparência do blockchain e a impossibilidade de manipulação central são elementos que devolvem à moeda o seu papel natural: representar valor, e não poder.
Ao adoptar Bitcoins ou estudar a sua conversão em Bitcoins USD ou Bitcoins a euros, os cidadãos aprendem que a estabilidade não é um decreto governamental – é uma conquista. É o mercado, e não o Estado, que garante a confiança na moeda.
Conclusão: a escolha entre moralidade e conveniência
A promessa de Javier Milei de encerrar o Banco Central da Argentina abriu uma oportunidade histórica para repensar a natureza do dinheiro e da liberdade económica. Porém, essa promessa só se cumprirá plenamente se for acompanhada por uma ruptura moral com o sistema inflacionário.
Imprimir dinheiro é confiscar propriedade privada – ainda que legalmente autorizado. Substituir o Banco Central por um mecanismo descentralizado, como o Bitcoin, é devolver ao indivíduo o controlo sobre o fruto do seu trabalho. O desafio é político, mas a escolha é moral: continuar a viver numa economia fundada na coerção, ou construir uma ordem baseada na responsabilidade e na confiança voluntária.
A verdadeira revolução de Milei não seria fechar um edifício, mas abrir a porta à liberdade monetária. Nesse caminho, as Bitcoins não são apenas um activo digital – são o símbolo de uma nova ética económica, onde a honestidade volta a ser a base da prosperidade.