Tributação Criptomoedas Portugal
O mercado das criptomoedas continua a crescer em Portugal, tanto em número de utilizadores como em volume de transacções. Contudo, essa adopção acelerada tem sido acompanhada por um cenário fiscal marcado por incerteza, falta de clareza e interpretações divergentes.
Afinal, como funciona a tributação de criptomoedas em Portugal? O que é necessário para declarar criptomoedas no IRS?
Este artigo explica, de forma directa e cristalina, como se encontra actualmente o enquadramento fiscal das criptomoedas em Portugal, quais as obrigações declarativas, que tipos de rendimentos são tributados e como evitar problemas com a Autoridade Tributária.
Criptomoedas em Portugal: uma adopção crescente, uma legislação confusa
Portugal tornou-se, nos últimos anos, um dos países europeus mais atractivos para investidores em criptoactivos. A inexistência, até 2022, de uma legislação fiscal específica para as criptomoedas fez com que muitos vissem o país como um verdadeiro paraíso cripto. No entanto, essa realidade mudou desde então.
Com o Orçamento do Estado para 2023, o Governo introduziu, pela primeira vez, um regime fiscal específico para os criptoactivos, passando a prever expressamente a sua tributação em várias categorias de rendimento. Esta mudança foi recebida com surpresa e, para muitos, com confusão.
A situação agravou-se em 2024, com o lançamento de um folheto explicativo pela Autoridade Tributária (AT), onde se tenta esclarecer — com sucesso relativo — as novas obrigações dos contribuintes. A verdade é que a tributação de criptomoedas em Portugal passou a existir, mas continua a levantar múltiplas dúvidas.

Declarar Criptomoedas em Portugal: é obrigatório?
Sim. Desde 2023, os contribuintes residentes em Portugal que realizem operações com criptomoedas têm de as declarar no IRS. A questão, porém, é saber o quê, como e quando declarar.
É necessário declarar as (i) mais-valias obtidas com a venda de criptoactivos; (ii) rendimentos obtidos com:
- Staking (processo de bloquear criptomoedas numa rede blockchain para ajudar a validar transacções e assegurar o funcionamento da rede, recebendo, em troca, recompensas periódicas);
- Mineração (processo de utilizar poder computacional para validar transacções num blockchain e, em troca, receber novas unidades da criptomoeda como recompensa); ou
- Airdrops (distribuições gratuitas de criptomoedas feitas por determinados projectos para promover a sua rede, recompensar utilizadores ou aumentar a sua visibilidade no mercado); e as
(iii) Posições detidas acima de determinados valores, em certos casos.
A obrigação declarativa não se resume apenas à venda de Bitcoin ou outras moedas digitais. A AT considera várias formas de rendimento com criptomoedas como sujeitas a tributação — e estas devem ser correctamente enquadradas nas diferentes categorias de rendimentos previstas no Código do IRS.
Tributação Criptomoedas Portugal: o que diz a lei
A legislação portuguesa passou a prever três tipos principais de enquadramento para a tributação de criptoactivos:
Mais-valias – Categoria G
A venda de criptomoedas é tributada em sede de mais-valias (categoria G), mas com uma distinção essencial:
- Criptoactivos detidos há mais de 365 dias estão isentos de tributação;
- Criptoactivos detidos por menos de 365 dias são tributados a 28% sobre a mais-valia (ou taxa progressiva se optar pelo englobamento).
Esta regra, apesar de clara, gera dificuldades práticas, nomeadamente quanto à comprovação do tempo de detenção e ao cálculo exacto das mais-valias — sobretudo para quem faz transacções frequentes.
Actividades regulares com criptomoedas – Categoria B
Quem exerce uma actividade habitual, profissional ou empresarial com criptoactivos (como negociação, mineração, desenvolvimento de projectos DeFi, etc.) é enquadrado na categoria B, ou seja, rendimentos empresariais e profissionais.
Neste caso, é obrigatório abrir actividade nas Finanças e entregar recibos verdes. O rendimento é tributado conforme o regime simplificado (com coeficientes fixos) ou contabilidade organizada.
A AT admite ainda que o staking, quando exercido com regularidade, possa ser incluído nesta categoria.
Outros rendimentos – Categoria E ou H
Alguns rendimentos com criptoactivos que não se enquadram nos pontos anteriores — como airdrops, staking pontual ou recompensas de plataformas — poderão ser tributados como rendimentos de capitais (categoria E) ou outros rendimentos (categoria H). A qualificação depende da origem e natureza do rendimento.
Por exemplo, se um utilizador recebe criptoactivos como recompensa por ter fundos depositados numa plataforma, pode considerar-se rendimento de capital. Se for uma distribuição sem qualquer contrapartida (ex: airdrop), pode ser considerado rendimento gratuito.
Declaração de Criptomoedas no IRS: passo a passo
Com o novo enquadramento, a declaração de criptomoedas exige cuidados redobrados. Eis o que deve fazer:
Organize os registos de transacções
Antes de preencher a declaração, é essencial ter todos os dados organizados:
- Datas de aquisição e alienação;
- Valores de compra e venda (em euros);
- Tipo de operação (venda, troca, mineração, staking, etc.);
- Corretora de criptomoedas utilizada ou carteira de origem.
Se utiliza múltiplas plataformas, pode recorrer a serviços como CoinTracking, Koinly ou Accointing para gerar relatórios detalhados. No entanto, a responsabilidade é sempre do contribuinte.

Preencher o anexo G (mais-valias)
As mais-valias com criptoactivos devem ser declaradas no anexo G. É necessário indicar:
- Valor de realização (preço de venda);
- Valor de aquisição (incluindo eventuais comissões);
- Data de compra e venda;
- Tipo de criptoactivo.
A plataforma do IRS ainda não tem campos específicos para criptoactivos — o que obriga à adaptação e uso das instruções da AT, que, infelizmente, têm sido pouco claras.
Indicar actividade (categoria B), se aplicável
Caso exerça actividade regular com criptoactivos, deverá declarar na categoria B. É necessário ter o código de actividade CAE ou CIRS apropriado (por exemplo, “Outras actividades de consultoria” ou “Prestação de serviços”).
As Finanças ainda não criaram códigos específicos para a actividade cripto, o que contribui para a confusão.
Recolher comprovativos
Guarde todos os comprovativos: capturas de ecrã das plataformas, extractos, contratos, recibos ou transacções em blockchain. Em caso de inspecção, estes documentos serão essenciais para justificar os valores declarados.
Críticas ao regime fiscal: complexidade e insegurança jurídica
A imprensa especializada tem sublinhado repetidamente as fragilidades do actual regime. Entre os principais problemas, destacam-se:
- Falta de uniformidade na interpretação da lei: contribuintes com situações idênticas podem ser tratados de forma distinta;
- Ausência de campos próprios no IRS: obriga ao uso de descrições genéricas e aumenta o risco de erro;
- Dificuldade em comprovar prazos de detenção e valores históricos;
- Incerteza quanto à tributação de operações cripto-cripto: apesar da lei referir “transmissão onerosa”, a AT pode interpretar trocas como factos tributáveis.
Por tudo isto, declarar criptomoedas em Portugal é hoje uma tarefa exigente, sobretudo para investidores não profissionais.
A Fiscalização Está a Aumentar?
Sim. A AT tem dado sinais claros de reforço da fiscalização sobre criptomoedas. Em 2023, vários contribuintes foram notificados para explicar rendimentos declarados — ou mesmo omissões. Em 2024, com a disponibilização de um folheto explicativo, a Administração Tributária reforçou a mensagem: quem lucra com criptoactivos deve pagar impostos.
Além disso, com o avanço do regulamento europeu MiCA (Markets in Crypto-Assets), e o reforço dos mecanismos de reporte das plataformas, será cada vez mais difícil manter o anonimato fiscal.
Portanto, declarar criptomoedas não é apenas uma questão de legalidade, mas de prudência. O risco de sanções — incluindo coimas, juros e eventual procedimento criminal por fraude fiscal — deve ser levado a sério.
Criptomoedas Portugal: vantagens e desafios fiscais
Apesar da carga fiscal que se começa a impor, Portugal continua a ser, em termos comparativos, um país atractivo para quem investe em criptoactivos:
Vantagens actuais:
- Isenção de mais-valias para detenção superior a um ano;
- Tributação separada (28%) para rendimentos de curto prazo, sem englobamento obrigatório;
- Ausência de imposto sobre património ou heranças em criptoactivos;
- Não há, por ora, obrigatoriedade de declarar carteiras ou endereços públicos.
Desafios persistentes:
- Insegurança jurídica e interpretações variáveis;
- Dificuldade em determinar valores históricos;
- Risco de dupla tributação em alguns casos (por ex., staking + mais-valias);
- Pressão política para rever novamente o regime nos próximos anos.
Recomendações Finais para Quem Investe em Criptomoedas
- Informe-se com regularidade — A lei muda, e as instruções da AT também. Esteja atento a novos esclarecimentos e alterações legislativas.
- Mantenha registos detalhados — Não dependa das plataformas das corretoras de criptomoedas. Armazene localmente as transacções, datas, valores e câmbios.
- Considere apoio especializado — Um contabilista com experiência em criptoactivos pode evitar erros dispendiosos.
- Não ignore as obrigações — O não preenchimento ou omissão de rendimentos pode levar a penalizações severas.
- Planeie os seus investimentos — A gestão fiscal é parte integrante da estratégia de investimento. Detenções superiores a um ano podem traduzir-se em isenção total.

Conclusão: rumo a uma nova era fiscal para os criptoactivos?
Portugal já não é o paraíso fiscal cripto que foi outrora. A tributação de criptomoedas em Portugal tornou-se uma realidade incontornável e cada vez mais complexa. Declarar criptomoedas correctamente exige hoje um esforço contínuo de organização, planeamento e actualização legal.
No entanto, se for bem compreendida e gerida, a fiscalidade portuguesa ainda permite estratégias eficientes de investimento, com alguma margem de optimização.
A era da informalidade terminou. Entrámos numa fase de maior controlo, onde a literacia fiscal será tão importante quanto a literacia financeira. Para quem investe, declara e planeia em conformidade, o ecossistema é ainda promissor — mesmo que mais exigente.